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Certa vez me disse “eu coreografo o pensamento”

publicado originalmente em 7x7


Wagner Schwartz X Jussara Belchior = Certa vez me disse “eu coreografo o pensamento”

Sobre Mal Secreto, de Wagner Schwartz

Adentramos um espaço que precisa de paciência e generosidade para acomodar tanta demanda. É muito pequeno aqui. Ele está lá, quase quieto, tem um grande livro nas mãos, uma pedra ao lado dos pés e sussurra uma canção. Não ouço muito bem, suponho que seja a criação homônima de Wally Salomão e Jards Macalé. Posso estar enganada, afinal, a confusão dos sentidos é sempre possível quando a palavra toma os espaços.


Enfim, chegamos. Abre-se então o livro e a tela. A parede ao fundo torna-se espaço de uma viagem de reconhecimento. As imagens vibram com tal potência que revelam a condição friccional do espaço da cena. Evocam a presença das coisas. São pistas, elas nos dizem algo sobre nós mesmos enquanto reparamos em seus detalhes.


Wagner é calmo e certeiro. Precisamente, nos dá a ver as coisas em seus estados. Temos tempo para reparar, para revistar as memórias das coisas e das gentes. É como acompanhar um desabrochar de uma flor e perceber cada camada, ou ainda, como o avesso de um bordado primoroso o qual se confunde com o lado direito.


Lado direito? Cá está a linguagem me pregando peças. Esquivo-me: o avesso e seu oposto. Mas não é o avesso o lado oposto? Essa linguagem não tem jeito! Danada.


Esse mal secreto revela a dança das palavras e seus sentidos. Mais que um jogo de palavras, uma reverberação do jeito de ser das coisas. Tenho vontade de lembrar de todas elas, todas as imagens, cada cor, objeto ou paisagem, mas isso, talvez, não importe tanto. Meu excesso é dispensável. Apego-me à sutileza. Agora, não sei desde quando, ele pisa na pedra. Em algum momento percebo a diferença, isso sim é relevante.


A colagem dessas memórias todas é simples, são objetos-coisas-vida-história-sendo-no-presente. Parece ironia, mas é simples sim. É abstração em concretude. Coreografia do pensamento.


Transito, então, nesse lugar onde o imaginário consolida a experiência. A experiência de estar, escutar, apreender. Sou essa dança de memória, alusão e acontecimento.


Mal Secreto é. Verbo e substantivo que dispensam artigos. Não há definição ou indefinição. Sua narrativa é descabida da ordenação do tempo. O tempo aqui não está na narrativa, está no corpo de quem compartilha a experiência.


Tempo do ser, pois é sobre isso mesmo, sobre ser, este verbo tão cheio de vigor. Verbo do acontecimento singular, da ação de consolidar-se e existir. Ser é uma condição, dos seres e das coisas. É íntimo, mas também é forma de estar com o outro, forma de agir. O jeito do ser desvenda cada detalhe, até seu jeito de pensar.


Opensamento é corpo que se manifesta entre lampejos, devaneios, dados e cultivo. O pensamento é dança da linguagem.

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